domingo, 1 de maio de 2011

Um Thor shakespeariano

Chris Hemsworth está perfeito no papel de Thor
Quando eu fiquei sabendo que Kenneth Branagh iria dirigir o filme do Thor, senti que havia possibilidade de vir coisa boa por aí. Afinal, ele é um ótimo e experiente diretor que esteve muito voltado em sua carreira para filmes de arte como adaptações de obras do dramaturgo inglês William Shakespeare. E era um fã do personagem dos quadrinhos. Aliás, o segredo da Marvel para fazer os seus filmes baseados em histórias em quadrinhos serem na maioria das vezes bons sempre esteve numa receita simples: escolher bons diretores, roteiristas e atores para que seus filmes não virassem micos como a maioria esmagadora dos que foram feitos no século XX, quando o hoje estúdio não passava de uma editora que vendia direitos para seus super-heróis serem filmados sem critério.

E deu muito certo. Kenneth Branagh é a base inicial de um cardápio de acertos que faz de “Thor” ser mais um ótimo filme baseado em quadrinhos. Com a ressalva, porém, que ao contrário de outros trabalhos recentes como as trilogias dos X-Men e do Homem-Aranha, as películas do Batman ou os dois Homens de Ferro, que é um filme muito mais para os fãs de quadrinhos e de mitologia nórdica do que para o público leigo.

Isso porque para quem não gosta dos quadrinhos do Thor ou de histórias mitológicas, as seqüências do filme passadas em Asgard, as roupas usadas pelos deuses nórdicos, a fala empolada dos asgardianos e todo aquele papo de reino para cá, lady para lá não passaria de uma versão norte-americana e sem samba do carnaval carioca. Se as outras películas citadas acima tinham temas mais simples que aproximavam o leigo das aventuras "fantásticas" - combate ao preconceito, debates como a questão do terrorismo ou afirmação de valores nobres e morais – em “Thor” não há nada além da história do deus do trovão que nos acostumamos a ler nas revistas. Exceto por um detalhe interessante que não tinha percebido inicialmente, mas li numa crítica e faz todo o sentido: “Thor” é um filme sobre os bastidores do poder. Abordarei isso mais a frente.

Essa, digamos, limitação, é, no entanto, um acerto de Branagh. O diretor norte-irlandês foi fiel à história do deus do trovão. Estão ali no filme tudo o que nos acostumamos a ver nos quadrinhos. Seu banimento à Terra (Midgard para os deuses nórdicos) pelo pai Odin (Anthony Hopkins) para aprender entre os mortais a ter humildade para ser um bom rei de Asgard, a relação inicialmente de confiança e depois de eterna inimizade com o ardiloso meio-irmão Loki (Tom Hiddlestone, perfeito no papel), a relação com a pesquisadora Jane Foster (Natalie Portman) e a amizade fiel aos amigos Volstagg (Ray Stevenson), Hogun (Tadanobu Asano), Fandral (Josh Dallas) e lady Sif (Jaimi Alexander), os “conflitos” com os humanos que geram situações bem humoradas, a mitologia que envolve Mjolnir, o famoso martelo que só pode ser erguido por aqueles que são nobres e puros de coração e espírito, a presença de Heimdall (Idris Elba), o guardião da ponte do arco-íris cego, mas que tudo vê. Enfim, todos os elementos dos quadrinhos.

Além disso, Chris Hemsworth está perfeito no papel de Thor. Não consigo imaginar outro ator que pudesse interpretar tão bem o papel do deus do trovão. Foi um achado.
Tom Hiddlestone no papel do meio-irmão de Thor, Loki

A relação de Thor com Loki, aliás, é outro acerto de Branagh, que faz o seu filme se aproximar de uma realidade mais humana. Aqui ele usou de seu conhecimento e de sua vasta experiência como intérprete e diretor de adaptações para o cinema de obras de Shakespeare – “Henrique V” (1989), “Muito barulho por nada” (1992), “Hamlet” (1996), “As you like it” (2006) – para traçar uma ponte entre a mitologia nórdica e a tragédia shakespeariana.

Impossível olhar para Loki e não pensar em Iago, o personagem interpretado pelo próprio Branagh em “Otelo” (1995). Toda a inveja de Iago por Otelo e a preparação de uma história maquiavélica de manipulação do mouro encontra claramente eco na relação entre Thor e Loki. Este sempre invejou Thor, o prometido do trono de Odin, e supostamente o favorito dos asgardianos para comandar o reino. Combinando isso com a sensação de não ser amado, ou mesmo de ser um pária dentro da família, temos um vilão manipulador que rasteja nas sombras para conseguir o que almeja sem temer as conseqüências. Afinal, Loki é o deus da trapaça. Em uma entrevista, Hiddlestone também chegou a dizer que o seu Loki era inspirado em Edmund, de “Rei Lear”, o príncipe invejoso que arquiteta um plano para enganar o pai e ver o irmão ser exilado.

Loki é frio e calculista. É daqueles vilões que amamos odiar e que traz a angústia de quem acompanha abertamente o que ele faz, mas nada pode fazer porque só o espectador vê as suas tramóias. Pelo menos até Thor finalmente descobrir que o meio-irmão não vale nada e lhe aplicar um corretivo dos deuses.

E por trás de tudo isso não há nada mais humano do que uma briga pelo poder. É aí que a crítica que li no fim de semana foi bem feliz. “Thor” realmente é um pouco isso. Não passa de uma batalha nos bastidores de Asgard pelo trono de Odin, o já velho monarca do reino (parênteses: como Anthony Hopkins andou se especializando em fazer personagens desse tipo hein? O cara só vive disso agora). Como Thor é o prometido natural por ser o primogênito e o “asgardiano puro”, Loki faz de tudo para derrubá-lo e usurpar o reino para posteriormente destruí-lo. Tudo bem, essa parte do desejo de destruição de Loki o filme não mostra, mas está nos quadrinhos.

E no meio dessa disputa entre deuses e semi-deuses, há os pobres coitados dos humanos. Mas eles são a ligação necessária para um filme maior que está sendo construído há mais de uma década, um projeto que deixa os fãs dos quadrinhos extremamente animados: o filme dos Vingadores previsto para estrear em 2012.

Há anos estamos observando o pequeno e divertido quebra-cabeças que levará aos Vingadores sendo montado. Desde os filmes do Hulk, passando pelos dois Homens de Ferro, sempre surge a figura misteriosa de Nick Fury, o chefão da Shield interpretado por Samuel L. Jackson, e que será responsável pela formação da super-equipe do governo americano cuja primeira formação tinha o Homem-Formiga, Vespa, Thor, Homem de Ferro e Hulk e logo depois contaria com Capitão América, Viúva Negra, Gavião Arqueiro, Mercúrio, Namor e Feiticeira Escarlate.

Quem prestou atenção em Thor primeiro percebeu que o filme começa quase a partir da cena extra de “Homem de Ferro 2” (2010), quando o agente Coulson (Clark Gregg), da Shield, chega no Novo México onde ficaremos sabendo que Odin jogou o martelo de Thor. No meio do filme, os fãs devem ter esfregado as mãos quando viram um certo personagem erguer um arco e uma flecha e apontar para Thor quando ele invade a área para tentar recuperar o seu martelo. Era Jeremy Renner, o astro do vencedor do Oscar “Guerra ao Terror” (2008) no papel de Clint Barton, conhecido por todos como Gavião Arqueiro.

Com Renner, já temos sete membros dos Vingadores para o filme que ainda contará com o mesmo Chris Hemsworth no papel de Thor, o Homem de Ferro Robert Downey Jr e a Viúva Negra Scarlett Johansson. Bruce Banner, o Incrível Hulk, será vivido por Mark Ruffalo enquanto o Capitão América será interpretado por Chris Evans, que já foi o Tocha Humana nos dois e fatídicos filmes do Quarteto Fantástico.

O Sentinela da Liberdade, aliás, é o próximo e fundamental capítulo dessa história paralela. Previsto para estrear ainda neste ano, “Capitão América: o primeiro vingador” contará a origem do herói mostrando como o jovem soldado Steve Rogers se transformou no herói graças ao soro do supersoldado e derrotou o nazismo. Deve ser o último passo antes do filme dos Vingadores.

Na cena extra do filme do Thor (não vá embora durante os créditos!), já vemos Loki arquitetando um plano contra o meio-irmão que envolverá os Vingadores em uma de suas primeiras missões. Pelo menos nos quadrinhos é assim. Agora é aguardar os próximos capítulos dessa história.

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