sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Cotação da corneta: 'Interestelar'

A dura vida dos astronautas
A corneta pensou em substituir o texto de hoje por uma bibliografia. Ao invés de parágrafos galhofentos, sugestões de textos e livros de nomes como Alexander Friedmann, Willem de Sitter, John Archibald Wheeler, Hermann Weyl e Kip Thorne. Ah, você não conhece estes cinco cavalheiros? Eu também não conhecia até a semana passada, quando Christopher Nolan bagunçou a minha cabeça com suas ideias absolutamente insanas. Os cinco são alguns dos nomes importantes de campos como matemática, física, astrofísica, cosmologia, entre outras coisas que vão se desdobrando a partir daí. Sim, amigos, é com isso que estamos lidando.

Além dos cinco cavalheiros acima (e poderia citar tantos outros), eu reforçaria os estudos de Isaac Newton e sugeriria um mergulho profundo nas teorias de Albert Einsten. Eu disse mergulho profundo. Não é sair por aí falando que E = mc2.

Terminado esse intensivão, você começará a entender "Interestelar". Sim, galera, Christopher Nolan abusou, forçou, arrombou a porta do espaço-tempo e chegou até a quinta dimensão porque para ele a complexidade de "A origem" (2010) era pouca. E fazer um filme de trás para frente como “Amnésia” (2000) era fichinha. Aliás, "Interestelar" faz "A origem" parecer quase uma comédia romântica. Pelo menos no quesito “entendimento da história”. Como filme, “A origem” é melhor.

Nolan é aquele cara com quem a gente combina as férias e você sugere: "Vamos para Paris? Berlim? Londres?". Aí Nolan para, pensa que isso é muito basicão, e diz: "Por que não vamos para Madagascar?". Simplicidade e obviedade não é com ele. Além de tudo o que vimos em “Amnésia” e “A origem”, o próprio "Batman - O Cavaleiro das Trevas" (2008) é muito mais um filme sobre terrorismo do que sobre quadrinhos tradicional com efeitos especiais e umas cenas maneiras para vender bonecos. Não é a toa que é um dos melhores do gênero. E agora que ele é uma grife, só fica mais fácil soltar, escancarar a criatividade.

Mas não tema "Interestelar". Mergulhe onde nenhum homem jamais esteve. Se jogue em quase três horas no desconhecido. Tire o pé do chão para flutuar na gravidade zero. Pois “Interestelar” é deveras interessante. E que vai te deixar meio atordoado ao sair do cinema, pensando naquela trama intrincada e naquelas teorias malucas que você não tomou conhecimento nem quando estava estudando para o vestibular. Buraco negro? Buraco de verme? Garganta? Tudo isso parece física, ops, acho que é física!

“Interestelar” pode ser visto de duas formas que se complementam, linhas paralelas que se encontram no infinito. Vamos a elas.

1) É basicamente uma história de amor e sobrevivência. Um pai que tenta salvar a vida dos filhos e consequentemente a vida da humanidade. Nada que você nunca tenha visto num filme de Bruce Willis ou Arnold Schwarzenegger.

2) É uma tentativa de Nolan de ganhar mais do que um Oscar, mas um Prêmio Nobel de Física. Então temos uma trama complexa que invade a cosmologia, manipula o tempo e faz você ver determinadas coisas sobre diferentes perspectivas. Enfim, aquele papo de quinta dimensão.

Vamos a história. Estamos num futuro apocalíptico pré-“Mad Max” (1979). A humanidade não ouviu os conselhos dos ambientalistas e agora a comida está ficando escassa. Água é luxo. E não se pode ver nem um jogo de beisebol dos Yankees comendo o tradicional cachorro-quente. Só resta pipoca, pois a única coisa que se pode cultivar na terra é milho. Mas isso também vai acabar. O planeta vive nas trevas e até a chegada do homem a lua foi desacreditada. A humanidade caminha a passos largos para acreditar no criacionismo.

É quando entra em cena Cooper (Matthew McCounaghey e seu sotaque de caipira do interior americano). No passado ele foi piloto da Nasa, era o cara, antes da agência ser desativada. Hoje ele é um fazendeiro, a profissão mais valorizada do momento. Mas, bem, a Nasa continuou funcionando na clandestinidade e Cooper chegou até ela por diversas razões sobre as quais não vou me estender.

Como a Terra está na U.T.I, caberá a McCounaghey e seus comparsas, a cientista Brand (Anne Hathaway) entre eles, encontrar um novo mundo habitável para a humanidade voltar a se reproduzir e viver feliz para sempre. E assim, em meio a todas as teorias cosmológicas, todas as equações complexas, todas as teorias explicadas no meio do nada e numa galáxia distante entre os cientistas como nas aulas de física do colégio (Ah, a cena do lápis perfurando a folha de papel...) temos a básica jornada do herói, que remete a Grécia antiga. Tudo acaba em Sófocles, Ésquilo ou Eurípedes.

No início, cheguei a pensar que “Interestelar” seria um cruzamento de “Sinais” (2002) com “Fonte da Vida” (2006) e “Gravidade” (2013) e mais uma pitada de "2001 - uma odisseia no espaço" (1968). Bom, em alguns exemplos isso não é necessariamente um elogio. O filme tem um lance de fantasma ou eles/os outros no estilo “Lost” no meio do milharal como no trabalho do M. Night Shyamalan, parece meio esquisito e hermético como o trabalho de Darren Aronofsky, e tem umas cenas bonitas e uma atriz que permanece com o cabelo impecável mesmo nos confins do Universo, como a Sandra Bullock no filme de Alfonso Cuarón. Sem contar que tem dois robôs inteligentes demais tal qual o Hal 9000 de Stanley Kubrick. Mas eu aprendi uma lição: Nunca se deve duvidar de Christopher Nolan.

Em toda a sua busca por uma nova fonte de vida para que a humanidade pudesse prosperar, Cooper terá que passar por diversas provações e fazer escolhas sobre qual dos três planetas previamente escolhidos tem condição de ser habitável. No meio disso, eles terão que lidar com forças da natureza que vão de uma onda gigante que faria o surfista Carlos Burle tremer nas bases a um frio polar daqueles que só a Islândia tem.

Tudo estava indo bem com Nolan usando os seus truques para nos entreter, mas ai o diretor dá aquela escorregada inaceitável ao fazer aquele discurso de que o amor vence tudo nessa vida. Foi o momento em que Nolan garoteou como um adolescente que acabou de encontrar a mulher da vida dele desta semana no baile da escola. Não me convenceu essa parte que mostra que por trás de todo o conhecimento e a ciência exibidos no filme, o coração é o essencial. Normalmente isso dá é em roubada.

Por falar em ciência, Kip Thorne, aliás, é o grande responsável pela viagem atual de Nolan. O físico americano é o cara cujas pesquisas se concentram em buracos negros, buracos de verme (ou de minhoca), deformações no tempo e ondas gravitacionais que tanto vemos no filme. Tudo desenvolvido a partir da teoria geral da relatividade. Pois é. Einstein é o outro culpado.

“Interestelar” é ambicioso. Alguns podem achar pedante ou pretensioso. Mas a corneta não vai se aliar a esse grupo. Prefere caminhar com os que acham a nova viagem de Nolan fascinante. Até porque, por trás de tantas teorias e cálculos complexos, há uma boa história. Por isso, Nolan vai ganhar uma nota 8.

Nenhum comentário: