sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Cotação da corneta: 'Birdman'

Eu acho que eu vi um passarinho
Sete razões pelas quais "Birdman" é um filme tão bom, mas tão bom que é digno de soltar aquele palavrão enaltecedor de uma obra ao fim de uma sessão de cinema. Vocês sabem de qual expressão estou falando. Não se façam de santos.

1) É o melhor trabalho de Michael Keaton desde... desde... desde... bem desde o tempo em que vocês só viam “Pica-Pau” e “Tom & Jerry” na TV.

2) Tem um subtítulo que parece tirado de escritos de Aristóteles ou Kierkegaard: "A inesperada virtude da ignorância". E todos sabem que não existem filmes ruins com títulos ou subtítulos filosóficos. Vide "A insustentável leveza do ser" (1988), “O sétimo selo” (1957) ou “Ponto de mutação” (1990).

3) Tem uma trilha sonora ARREBATADORA com solos e levadas de bateria que não te fariam ir ao banheiro se fosse num show de rock. E essa música é fundamental no desenvolvimento da história, pontuando as passagens, distribuindo o jogo.

4) É feito com uma mágica estilo David Copperfield. O diretor Alejandro Gonzalez Iñarrritu faz o filme todo em planos-sequências unidos por truques de edição totalmente excelentes que fazem parecer um só e deixam o a película naquele ritmo frenético. Não, eu não vou citar “Festim Diabólico” (1948), de Alfred Hitchcock. Todo mundo já falou disso.

5) Por falar no diretor mexicano, assim como "Amores Brutos" (2000), "21 Gramas" (2003) e "Babel" (2006), este filme também tem aquele truquezinho de histórias que se cruzam. A diferença é que nos filmes anteriores, elas seguiam paralelas até se encontrarem num ponto futuro no que eu chamaria de “Cinema à moda Claudio Coutinho”, pois ponto futuro era com o ex-técnico da seleção. Aqui, os personagens vão tecendo teias entre si o tempo todo e se cruzando, mas cada um com seu drama particular, seus problemas, suas questões, suas paranoias. Ninguém é mosca morta no filme.

6) Tem ótimas atuações. Tanto que três das nove indicações ao Oscar são para atores: Michael Keaton (excelente), Edward Norton (igualmente excelente) e Emma Stone (nem tão excelente assim).

7) É um filme de super-herói cabeça, afinal estamos falando do Birdman. Tipo "Watchmen" (2009). Ao mesmo tempo que é irônico e crítico aos filmes de super-heróis e à indústria do cinema de Hollywood com seus milhares de filmes de heróis de quadrinhos. Ok, nós nerds amamos filmes de super-heróis, mas entendemos a crítica ao exagero e a produção em excesso em detrimento de outros tipos de filme.

"Birdman" é tudo isso e muito mais. Completa com "Boyhood" e "Whiplash" a trinca de filmes realmente diferentes e, por isso, interessantes, entre os que estão em disputa pelos mais diversos carecas dourados deste ano. Ainda me faltam nove filmes para completar toda a lista do Oscar, entre eles dois candidatos a melhor filme, "Sniper Americano" e "Selma", mas pelo que andei lendo dificilmente estes trabalhos têm algum tipo de FRESCOR ou uma pegada DIFERENCIADA, como os três citados acima.

"Whiplash" é visceral, intenso, um filme sobre obsessões no jazz em ritmo de heavy metal. "Boyhood" uma OURIVESARIA de 12 anos para gerar um filme único que é uma história da vida. "Birdman" é vigoroso, taquicárdico, sofisticado. Ao mesmo tempo em que dialoga com toda essa cultura atual e questiona os valores que a indústria e cada um têm neste mundo de blockbusters explosivos e redes sociais expondo as tripas de cada um.

É tudo começa com um super-herói em crise...

Era uma vez um ator que ficou famoso fazendo um filme de super-herói. Mas ele se recusou a fazer mais uma sequência e foi em busca de novos desafios. Só que ele caiu no ostracismo e agora tenta dar a volta por cima ensaiando uma peça na Broadway feita a partir do texto do poeta Raymond Carver. Não, gente, Iñarritu garante que o filme não é baseado em fatos reais da vida de Michael Keaton, que depois de levar aquela lambida fatal de Michelle Pfeiffer em "Batman - O Retorno" (1992), não quis viver o Homem-Morcego em um terceiro filme, abrindo brecha para a chegada de Val Kilmer.

É a história fictícia de Riggan Thomson, o cara que foi o grande Birdman no passado, uma celebridade a moda antiga na era pré-Twitter e Facebook, e agora está desesperado em obter o reconhecimento e mostrar alguma relevância enquanto artista. Riggan quer mostrar algo mais do que um herói que se vestia de passarinho e piava. 

Volta e meia o filme é sarcástico com a frenética produção de filmes sobre quadrinhos. Ironiza grandes atores que viraram super-heróis ("Meu Deus, até nele colocaram uma capa", diz Riggan ao falar de Jeremy Renner, o Gavião Arqueiro dos “Vingadores”), e trata Hollywood como um celeiro de produções em série de trabalhos sem muito conteúdo.

Riggan quer mudar a percepção que o mundo tem dele. Mas uma voz estilo diabinho do Birdman volta e meia surge na sua cabeça para seduzi-lo a voltar para os arrasa-quarteirões. Enquanto isso, é preciso lidar com o novato “ator de verdade” Mike Shiner (Edward Norton), que despreza o cinemão de Hollywood, despreza Riggan e tenta fazer da peça um momento seu, e com Sam, a filha que se sente rejeitada ao mesmo tempo em que o pai se penitência por não ser tão presente.

Riggan também buscará a aceitação da crítica implacável Tabitha Dickinson (Lindsey Duncan), que já o acha ruim antes de vê-lo em ação, exibindo todos os seus preconceitos. Ok, eu captei a mensagem, Iñarritu, mas s corneta não vestirá a carapuça porque sempre foi adepta do "veja primeiro de coração aberto e pureza no olhar e critique depois". 

Por não ser um filme comum, “Birdman” dividiu as pessoas e os críticos. Tenho amigos que gostaram e que detestaram. Há críticos que o acham um lixo (veja aqui), que o elogiam (clique aqui), que ponderam que é bom, mas é boring (veja aqui) e que aplaudem (clique aqui). Isso é ótimo, pois mostra que ninguém é indiferente ao filme. Da parte da corneta, diria que “Birdman” me conquistou com toda a sua ousadia e alegria. Dizem que é um dos favoritos ao Oscar. Por aqui vai ganhar uma nota 9.

Indicações ao Oscar: Filme, diretor (Alejandro Gonzalez Iñarritu), ator (Michael Keaton), ator coadjuvante (Edward Norton), atriz coadjuvante (Emma Stone), roteiro original, fotografia, edição de som e mixagem de som.

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