sexta-feira, 3 de julho de 2015

Cotação da corneta: 'O cidadão do ano'

Dias difíceis na Noruega
Hans Petter Moland não tem nada em comum com Quentin Tarantino. Um é norueguês, nasceu em Oslo, tem 59 anos e já foi descrito como o Ridley Scott da Noruega (interpretem como vocês quiserem). O outro nasceu a 6.847km de distância da capital do país nórdico, em Knoxville, no Tennessee, tem 52 anos e trabalhou em uma locadora antes de resolver fazer seus próprios filmes. Moland, como vocês podem ver, é mais velho. Mas parece que ele resolveu fazer uma homenagem ao menino Tarantino em seu mais novo filme.

"O cidadão do ano" parece até uma releitura de um dos filmes de Tarantino. Tipo um cruzamento de “Kill Bill” (2003) com “Bastardos Inglórios” (2009) e uma pitada de “Django Livre” (2012). Mas vocês poderiam misturar quaisquer outros ingredientes da filmografia do diretor americano. O trabalho de Moland é o tipo de cinema praticado pelo americano até o último floquinho de neve de uma geladíssima cidade do interior norueguês (fiquei com frio só de ver o filme).

Vejam o que o filme do diretor escandinavo tem em comum com o que Tarantino costuma produzir:

1) Uma história clássica de vingança

2) Personagens no mínimo curiosos

3) Piadas engraçadas e situações nonsense

4) Um vilão excêntrico

5) Sangue, sangue jorrado, sangue esguichando, todo o tipo de água vermelha tingindo a neve

A única diferença é que ele é falado em norueguês. É MA-RA-Vi-LHO-SO, amigos.

O enredo é o seguinte. Stellan Skarsgard, que é o que os críticos gostam de chamar de ator FETICHE do diretor, pois esteve em quatro dos seus sete longas, é um cara do bem e um exemplo para a sociedade norueguesa. Seu personagem, Nils Dickman (uma piada pronta para os versados em língua inglesa), foi eleito recentemente o cidadão do ano pela comunidade local pelos seus serviços prestados em afastar a neve das estradas com seus caminhões maneiros.

Mas ele tem um filho encrenqueiro. Ingvar (Aron Eskeland) se mete com os caras errados por causa de droga e o chefão do tráfico manda apagá-lo. Foi o maior erro da vida de Greven (Pal Sverre Hagen). Ele provocará o desejo “tarantinesco” de vingança em Dickman, que tal qual uma Arya Stark em "Game of Thrones" fará uma lista de todos os que têm a obrigação de mandar ao encontro de Deus mais cedo do que o destino esperava.

Greven, ou melhor Ole Forsby (todos os mafiosos do filme tem um apelido no melhor estilo mafioso clássico), merece um parágrafo a parte. Afinal, quantas vezes vocês viram na história do cinema um vilão vegan obsessivo, que dá frutas e verduras para o filho, o proíbe de comer aqueles cereais matinais e ainda obriga os capangas a tomar suco de cenoura? Crueldade obrigar alguém a tomar suco de cenoura. O cara é uma figura. Essa máfia norueguesa é o orgulho dos programas de saúde, bem estar e beleza das TVs.

Mas acho que a falta de carne não faz bem a Greven, pois ele está sempre muito nervosinho. Participa até de cenas lamentáveis espancando a ex-mulher. No mínimo merecia ser enquadrado na lei Maria da Penha.

A história de Nils abre também uma ferida no acordo de cavalheiros que noruegueses e sérvios têm na exploração do narcotráfico-perfumaria do país nórdico. E uma morte inesperada gerará um problema com o Papa sérvio (Bruno Ganz) e acrescentará um molho báltico nesta situação.

“O cidadão do ano” também tem diálogos impagáveis. Do cara que reclama do frio norueguês e ouve que, ou você tem bem estar social ou tem sol como nos países africanos e sul-americanos, ao trecho em que os cidadãos bem vestidos são relacionados com pessoas de partidos de direita, há momentos de muito bom humor no filme. Além da contagem dos mortos de acordo com a religião de cada um.

O roteiro só vacila em deixar uma pontinha solta e perdida num filme que, obviamente, não terá sequência. Faltou dar um desfecho a um personagem. Mas nada que comprometa a qualidade de um filme que acho que Tarantino assinaria embaixo. E a corneta dará uma nota 7,5.

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