quinta-feira, 12 de maio de 2016

Tristemente melancólico

Viver não é fácil, Natalie
Como atriz, Natalie Portman alterna produções em blockbusters como os filmes da saga Star Wars e do super-herói Thor com produções que de alguma forma investigam a alma de seus personagens, lidam com traumas, amores, mergulham em sentimentos difusos e profundos. 

"Um beijo roubado" (2007) era uma reflexão sobre o amor, enquanto "Entre irmãos" (2009) falava do trauma pós-guerra e de como seguir em frente quando se está separado e sem qualquer perspectiva de que o marido soldado vá voltar. E se voltar, como ele voltará. Retornando um pouco no tempo, "Closer" (2004) era sobre a decadência de dois relacionamentos e questionamentos sobre eles. 

Mas o seu trabalho mais brilhante até aqui é claramente "Cisne Negro" (2010), um mergulho profundo na alma de uma bailarina obsessiva por um lugar de destaque numa companhia de dança e que para chegar lá acaba atingindo um estado de esquizofrenia com consequências irrecuperáveis. 

Não surpreende, portanto, que a atriz de 34 anos tenha escolhido este caminho mais reflexivo para dar o pontapé inicial em sua carreira de diretora. Com roteiro também escrito por ela, "De amor e trevas" é um filme tocante, melancólico, duro e profundamente sentimental que necessita mais do que a breve avaliação inicial ainda nos créditos. Sua digestão não é rápida. Não é direta. É um filme que ecoa na cabeça estimulado por sua trilha sonora e requer um controle dos instintos para melhor compreendê-lo. 

Baseado num livro do escritor Amos Oz, "De amor e trevas" conta a história da infância do próprio escritor nos anos 40 em Jerusalém. Naquela época, Israel ainda lutava por sua independência da coroa britânica e já vivia as tensões entre judeus e árabes que marcaram a infância do jovem Amos (Amir Tessler). 

As relações tensas entre os dois lados podem tornam um pequeno incidente em uma brincadeira de crianças um grande problema diplomático que as duas famílias precisam resolver. 

É nesta tensão e numa cidade solar, mas espremida entre construções de pedra de pouco luxo que o jovem Amos cresce ao lado dos pais Arieh Oz (Gilad Kahana) e Fania Oz (Natalie Portman).

Amos é um jovem sensível, observador e inteligente que acompanha com atenção os acontecimentos políticos ao mesmo tempo em que vivência a decadência de sua mãe de um estado de amor a um sentimento de profunda depressão. 

Fania é o personagem central da escrita de Amos. Ele investiga as razões para a mãe ter mergulhado naquele oceano sem volta. Especula se a rotina, o casamento e a vida comum daquela jovem criativa e cheia de sonhos do passado a devastaram por dentro de uma forma que não tem mais volta. 

"De amor e trevas" tem, portanto, três componentes que acompanham o espectador numa narrativa literária que, por vezes, pode cansá-lo, ainda que o texto seja dito com uma elegância e este seja filmado com um certo tom de solenidade por Natalie. Há o componente histórico envolvendo a política local, há a análise sobre a vida da mãe de Amos e, por fim, os efeitos que essa convivência com os pais causaram na vida daquele jovem que tornar-se-ia escritor anos depois.

Embora o pai fosse também escritor, ainda que não de sucesso, parece que a mãe exercia um aspecto lúdico maior sobre a criança com suas histórias que só no fim percebemos que nada mais eram que narrativas em parábolas de aventuras pelas quais ela daria a vida para ter vivido. Não há amor que sobreviva a monotonia. O caminho da letargia é a depressão profunda. 

Natalie tem entrada em Hollywood. Não sei se ela tentou fazer este filme com algum estúdio americano. Mas se sua escolha inicial sempre foi filmar no cinema israelense, não poderia ser uma escolha mais acertada. Os americanos são ótimos em criar entretenimento de qualidade, mas quando se trata de investigar mais profundamente a alma humana, são poucas as vezes em que eles acertaram. 

Nos EUA, Natalie poderia ficar refém dos códigos locais que talvez fizessem o seu filme escorregar na pieguice e no clichê. Em Israel, ela teve a liberdade de dar um ritmo próprio ao seu filme e não procurar sempre respostas para cada problemática. Deixar o espectador pensar sobre o destino daquela mulher e o que a levou ao seu desfecho foi a melhor decisão. E fazer o filme em hebraico tornou-o mais verossímil, pois trata-se da vida de uma jovem família israelense que vivem em Jerusalém.  

Por outro lado, Natalie talvez tenha tido um respeito excessivo pelo texto de Amos, trazendo sequências em demasia de narrativas declamadas. Mas sua mão esteve longe de ser pesada. Talvez só tenha sido solene com seus movimentos em câmera lenta e seus variados olhares perdidos. Tudo bastante contemplativo. Tudo com muita classe. Pode ser belo para alguns, irritantemente chato para outros. 

Mas o saldo final desta sua estreia em longas metragens é positivo. Que Natalie se arrisque mais nos caminhos que desejar. "De amor e trevas" vai ganhar uma nota 7.

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